SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MANDO DE SEGURANÇA Nº: 5.597
MINISTRO: Min. Demócrito Reinaldo
DATA: 13.5.1998
FONTE: DJ, de 01.6.98
ASSUNTO:
Ato convocatório - Alteração - Publicidade e prazo.
EMENTA:
Direito administrativo - Licitação - Edital como instrumento inculatório das partes - Alteração com descumprimento da lei - Segurança concedida.
É entendimento correntio na doutrina, como na jurisprudência, que o Edital, no procedimento licitatório, constitui lei entre as partes e é instrumento de validade dos atos praticados no curso da licitação.
Ao descumprir normas editalícias, a Administração frustra a própria razão de ser da licitação e viola os princípios que direcionam a atividade administrativa, tais como: o da legalidade, da moralidade e da isonomia.
A administração, segundo os ditames da lei, pode, no curso do procedimento, alterar as condições inseridas no instrumento convocatório, desde que, se houver reflexos nas propostas já formuladas, renove a publicação (do Edital) com igual prazo daquele inicialmente estabelecido, desservindo, para tal fim, meros avisos internos informadores da modificação.
Se o Edital dispensou às empresas recém-criadas da apresentação do balanço de abertura, defeso era à Administração valer-se de meras irregularidades desse documento para inabilitar a proponente (impetrante que, antes, preenchia os requisitos da lei).
Em face da lei brasileira, a elaboração e assinatura do balanço é atribuição de contador habilitado, dispensada a assinatura do Diretor da empresa respectiva.
Segurança concedida. Decisão unânime.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Sr. Ministro Relator os Srs. Ministros HUMBERTO GOMES DE BARROS, MILTON LUIZ PEREIRA, ADHEMAR MACIEL, ARI PARGENDLER, JOSÉ DELGADO, GARCIA VIEIRA e HÉLIO MOSIMANN. Custas, como de lei.
Brasília, 13 de maio de 1998 (data do julgamento).
Min. PEÇANHA MARTINS
Presidente
Min. DEMÓCRITO REINALDO
Relator
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (RELATOR):
RÁDIO FM MIRAGUAI LTDA. impetra mandado de segurança contra o MINISTRO DE ESTADO DAS COMUNICAÇÕES, objetivando o desfazimento do ato que a inabilitou como participante da concorrência instaurada pelo Edital de n° 02/97-SFO/MC, para a execução de serviços de radiodifusão sonora em freqüência modulada na Cidade de Miraguai, no RS, alegando:
1. a impetrante foi a única empresa que se apresentou e concorreu à licitação;
2. a requerente foi indigitada por não atender os itens 5.4.1, 5.4.1.1 e 5.4.2. do Edital, por não constar a assinatura do dirigente da empresa no Balanço de Abertura, no Balanço Patrimonial e no índice de Solvência;
3. a impetrante é empresa recém-criada e está dispensada da apresentação dos balanços devidamente formalizados, conforme item 5.4.1.1;
4. a exigência do balanço não constava do Edital, mas veio a ser exigida pela Comissão Especial após a resposta de n° 079/97;
5. em face da Lei de n° 8.666/93, art. 21, § 4°, o Edital não poderia sofrer alteração, salvo se reaberto prazo aos licitantes.
6. a impetrante havia apresentado a sua proposta instruída com os documentos exigidos no Edital a que está vinculada a Administração.
Juntou documentos, pediu liminar e a concessão da segurança.
A autoridade coatora ofereceu as informações e o Ministério Público Federal opinou pela concessão da segurança.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (RELATOR):
Senhores Ministros:
Cuida-se, na hipótese, de mandado de segurança impetrado pela empresa RÁDIO FM MIRAGUAI LTDA. contra ato do SR. MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES que, ao confirmar, no julgamento de recurso, decisão da Comissão Especial, decretou a sua inabilitação para participar da concorrência instaurada pelo Edital de n° 021/97-SFO/MC e em que pleiteava a execução de serviço de radiodifusão sonora em freqüência modulada na Cidade de Miraguai, no RS.
A inabilitação da impetrante teve suporte no descumprimento dos subitens 5.4.1, 5.4.11 e 5.4.2 do Edital, eis que:
a) não consta do balanço patrimonial, demonstrações contábeis do último exercício social, "a assinatura do dirigente";
b) do balanço de abertura - "não consta a assinatura do dirigente";
c) do índice de solvência - "não consta a assinatura do dirigente".
Parece-me que, ires cassa, a impetrante se estriba na boa interpretação do direito, sendo o seu pleito amparado pela via da segurança.
Tenho, é certo, afirmado no julgamento de outras seguranças (M.S. no 5281), "que o Edital, no procedimento licitatório, constitui lei entre as parte é de tal forma relevante a vinculação das partes ao instrumento de convocação, que vem repetidamente inscrita em vários dispositivos da Lei de n° 8.666/93 (arts. 3°, 4° e 41)".
Como ensinam os juristas, à Administração é defeso descumprir as normas e condições do Edital, ao qual se acha estritamente vinculada. Sob certo ângulo, o Edital é o instrumento "de validade dos atos praticados no curso da licitação. Ao descumprir normas constantes do Edital, a Administração Pública frusta a própria razão de ser da licitação, viola os princípios norteadores da atividade administrativa, tais como, a legalidade, a moralidade e a isonomia" (MARÇAL JUSTEN FILHO, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, pág. 255).
A Administração não pode, assim, desbordar-se daquilo que inscreveu nas cláusulas editalícias para, no curso do procedimento, formular outras exigências além das contidas no instrumento convocatório, nem modificar, a seu talante, quando já entregues as propostas, pelos concorrentes, o Edital, para incluir outras providências e normas que, de algum modo, possa refletir, de forma prejudicial, na apresentação das propostas ou dos documentos que a instruem.
É certo que a Administração pode alterar as cláusulas do certame; mas, em ocorrendo a alteração, com reflexo nas propostas já formuladas, terá que reabrir novo prazo, consoante dispõe o art. 21, § 4°, da Lei nº 8.666/93, com esta dicção:
"Art. 21 ...
§ 4°. Qualquer modificação no Edital exige divulgação pela mesma forma que se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, exceto quando a alteração não afetar a formulação das propostas".
MARÇAL JUSTEN FILHO, ao comentar o preceito supra, adverte:
"Pode apurar-se a conveniência de alterar condições previstas no Edital. Essas alterações, tanto podem surgir de modo espontâneo no seio da Administração, como podem ser provocadas por manifestação de interessados. A Administração tem total liberdade para alterar as condições inseridas no instrumento convocatório, respeitada a lei, é claro. Porém, a alteração não pode frustar a garantia do prazo mínimo previsto no § 2°. Se a Administração introduzir alteração após publicado o aviso, deverá renovar-se a publicação. Se assim não fosse, haveria redução de prazo mínimo’ (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, n° 8.666/93, págs. 124/125).
Ora, no caso vertente, o Edital foi alterado mediante a nova redação a algumas das cláusulas para que, a partir daí, se exigisse, mesmo das empresas recém-criadas, a apresentação de Balanço de Abertura.
Todavia, do Edital originariamente publicado, no Subitem 5.4.1. (fl. 42), se exigia, na fase da habilitação, "o Balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e a apresentação, na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios".
Sucede que o subitem 5.4.1.1 está assim redigido:
"5.4.1.1. - As empresas recém-criadas ficam dispensadas da apresentação do referido documento e suas demonstrações".
Posteriormente, e depois da apresentação das propostas, a autoridade impetrada, através de meros avisos internos, alterou a cláusula acima, para obrigar aos licitantes, ainda que se tratassem de empresas recém-criadas, a apresentação do balanço, devidamente formalizado, nos termos da legislação de regência. É, pois, manifesto, o descumprimento da lei específica (Lei n° 8.666, art. 21, § 4°), porquanto a alteração subseqüente prejudicou a impetrante, como empresa recém-criada, que estava dispensada da apresentação do balanço devidamente formalizado.
E vejamos, agora, como a autoridade coatora justifica a mencionada alteração, em suas informações:
"Como não poderia deixar de ser, o Edital foi publicado com antecedência mínima de 60 dias da data de sua abertura, período que os interessados formularam questões a respeito dos pontos do texto editalício que lhe pareceram obscuros" ....
E continua:
"Em que pese o argumento de que tal exigência não constava do Edital, o simples fato da apresentação do balanço de abertura, ainda que de forma inadequada, é prova cabal de que a resposta no 007/97, que trata dessa exigência, foi devidamente divulgada entre os licitantes, estando, assim, cumprido o princípio da publicidade, cujo objeto outro não é senão o de assegurar o conhecimento, entre os seguimentos interessados, de todas as informações pertinentes ao certame" (fl. 113).
Como se observa, a autoridade impetrada confessa, com todas as letras, que alterou o Edital, incluindo cláusula com outras exigências, cujo descumprimento importaria na inabilitação. E o fez sem as formalidade legais, isto é, mediante a republicação do Edital, desde que, "qualquer modificação do instrumento convocatório há de ser feita pela mesma forma que seu texto original, reabrindo-se o prazo originariamente estabelecido" (art. 21, § 4° da Lei nº 8.666/93). Pretende, pois, o impetrado, que a ciência das partes, através de avisos internos, supra a ilegalidade cometida. Sem razão. A lei vincula a Administração e a esta falece o direito de inovar no Edital, fazendo, supervenientemente, exigências não constantes do instrumento original. É o princípio da estrita vinculação das partes ao Edital.
Assim, se o Edital dispensou a apresentação do Balanço de Abertura, não poderia, a Administração, valer-se de meras irregularidades deste documento para inabilitar a impetrante. Vale, aqui, transcrever o Parecer do douto Subprocurador Geral da República:
"Com efeito, a Autoridade Coatora não se ateve ao prescrito pelo Edital da Concorrência n° 021/97 - SFO/MC, alterando-o, sem a observância das formalidades legais estabelecidas no art. 21 ° da Lei nº 8.666/93.
2.3. Entretanto, inobstante essa irregularidade, com a inabilitação da Impetrante sob um argumento vago, também foi infringido o estatuído no art. 3°, inciso I, da Lei das Licitações.
2.4. A inabilitação da Impetrante no certame, sob a alegação de ausência de assinatura do sócio-dirigente nos documentos relativos à qualificação econômico-financeiro, não tem como vingar, de sorte que toda a documentação ofertada, além de estar firmada por um contador regularmente habilitado, foi ratificada pelo sócio gerente.
2.5. Assim, o sócio-gerente da Impetrante, ratificando os documentos, assumiu toda a responsabilidade sobre sua origem, conteúdo e autenticidade, não havendo argumento jurídico plausível para sustentar a desclassificação ora atacada.
2.6. O caso vertente reflete um excesso de rigor formalístico, que impede que o processo licitatório seja o mais abrangente possível, como ressaltado pelo eminente Ministro AMÉRICO LUZ, às fl. 103, e que deve ser afastado de pronto, uma vez que se traduz em exigência anacrônica, e inútil, prejudicial à escolha da proposta mais vantajosa para a Administração Pública (fl. 120)".
Além do mais, como bem salientou o Dr. Subprocurador em seu lúcido parecer, o sócio gerente da impetrante ratificou os documentos e assumiu toda a responsabilidade sobre sua origem, conteúdo e autenticidade. Assim, a irregularidade foi sanada, inexistindo, pois.
Concedo a segurança, nos termos do pedido, considerando a impetrante habilitada a participar dos atos subseqüentes do certame.
É como voto.
SÍNTESE DO JULGAMENTO
Trata o presente de mandado de segurança impetrado pela Rádio FM MIRAGUAI LTDA., objetivando sua habilitação na Concorrência nº 02/97 – SFO/MC, que visa à execução de serviços de radiodifusão sonora em freqüência modulada.
A impetrante alegou que:
- foi a única empresa que se apresentou e concorreu à licitação;
- foi inabilitada por não atender aos itens 5.4.1, 5.4.1.1 e 5.4.2 do edital, por não constar assinatura do dirigente da empresa no Balanço de Abertura, no Balanço Patrimonial e no Índice de Solvência;
- é empresa recém-criada e está dispensada da apresentação dos balanços devidamente formalizados, conforme item 5.4.1.1;
- a exigência do balanço patrimonial não constava do edital, mas veio a ser feita pela Comissão após resposta nº 079/97;
- de acordo com o estabelecido no art. 21, § 4º, da Lei nº 8.666/93, o edital somente poderia ser alterado se o prazo fosse reaberto;
- havia apresentado sua proposta instruída com os documentos exigidos no edital a que está vinculada a Administração.
Após, a autoridade coatora ofereceu as informações e o Ministério Público Federal opinou pela concessão da Segurança.
Em seu voto, o Ministro Relator, em síntese, aduz que:
- o edital é a norma interna da licitação;
- o princípio da vinculação ao instrumento convocatório também se aplica à Administração, por esse motivo é defeso descumprir o estabelecido no edital;
- as alterações que se fizerem necessárias poderão ocorrer, desde que respeitado o estatuído no art. 21, § 4º, da Lei nº 8.666/93;
- no caso concreto, algumas solicitações novas foram inseridas no edital, entre essas, a exigência de apresentação de balanço patrimonial pelas empresas recém-criadas;
- a publicidade das precitadas alterações ocorreu por meio de meros avisos internos;
- a autoridade coatora confessa ter alterado o edital sem o devido cumprimento das formalidades legais.
Por fim, transcreve o parecer do Subprocurador-Geral da República e vota pela concessão da Segurança. Nesse sentido, também votaram todos os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. Desta forma, foi concedida a Segurança por unanimidade de votos.
Entusiasta da Administração Pública, Petrônio Gonçalves, Economista pós-graduado, Militar aposentado, Pregoeiro com mais de 20 anos na área, facilitador da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e do Centro de Formação do Servidor Público do Est. de PE (CEFOSPE), fomenta neste blog as discussões sobre a matéria. Com súmulas, decisões e acórdãos do TCU, e textos de juristas, (© Copyright 10/11/12/13/14/15/16/17/18/19/20 Tribunal de Contas da União; dos Juristas/Autores/p. Editor).
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