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domingo, 4 de julho de 2010

Contratação Direta por Dispensa de Licitação nos Casos de Emergência (Art. 24, IV da Lei nº 8.666/93)

I – INTRODUÇÃO




A Constituição Federal de 1998, no capítulo que trata das disposições gerais acerca da Administração Pública, estabelece no Art. 37, inciso XXI que as obras, serviços, compras e alienações, ressalvados os casos específicos em lei, serão contratados mediante prévio processo de licitação pública, em que seja assegurado o atendimento ao princípio da igualdade de condições a todos os concorrentes, prevendo cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos expressos em lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensável à garantia de cumprimento das obrigações.



A licitação (1) consiste em um procedimento administrativo destinado a garantir a observância ao princípio constitucional da isonomia e seleção da proposta mais vantajosa para os interesses da Administração Pública.



Em seu aspecto procedimental, desenvolve-se por meio de uma sucessão ordenada de atos vinculantes, visando a análise e julgamento de propostas em estrita conformidade com os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e outros que lhe são correlatos.



No ordenamento jurídico pátrio, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, veicula as normas gerais sobre licitação e contratos administrativos, em direta filiação ao que prevê o Art. 37, inciso XXI da Carta Magna de 1998.



Assim, verifica-se por essas breves linhas, que a licitação possui dupla finalidade, ou seja, ao mesmo passo em que objetiva a vantajosidade na seleção de propostas, visa também atingir tal desiderato obedecendo plenamente o tratamento isonômico entre os concorrentes.



II – EXCEÇÕES AO DEVER DE LICITAR: DISPENSA E INEXIGIBILIDADE



A despeito da regra geral acima tratada, a legislação brasileira em determinados casos faculta ao administrador Público a realização ou não do procedimento licitatório, haja vista razões de relevante interesse público e/ou outras circunstâncias expressamente contempladas pela lei como ensejadoras de dispensa ou de inexigibilidade.



Nesse diapasão, haverá dispensa de licitação em casos expressos previstos no Art. 24 e incisos da Lei nº 8.666/93.



Veja-se que o procedimento licitatório é a regra. Mas ocorre que nos caos especificados no rol taxativo do artigo supra citado, a Administração Pública está legalmente autorizada a adotar um outro procedimento, em que formalidades são suprimidas ou substituídas por outras, visando não frustrar a realização adequada das funções estatais.



Registre-se, por oportuno, que o próprio legislador ordinário determinou as hipóteses em que cabível a dispensa do procedimento licitatório regular, não tratando-se, pois, de mera discricionariedade atribuída ao Administrador Público.



De igual sorte, o Art. 25, caput e incisos da Lei nº 8.666/93 prevê os casos em que será inexigível a adoção de licitação pública.



Ocorrerá a inexigibilidade de licitação quando há impossibilidade jurídica de competição entre os possíveis contratantes (2), seja pela natureza específica do negócio, seja pelos objetivos visados pela Administração.



A Administração pública poderá proceder à inexigibilidade do procedimento licitatório quando entender ser impossível instaurar competição entre eventuais interessados, visto não ser razoável pretender a melhor proposta quando apenas um é proprietário do bem desejado pelo Poder Público ou reconhecidamente o único capaz de atender as exigências relativas ao objeto pretendido.



III – TRAÇOS GERAIS DA DISPENSA DE LICITAÇÃO POR EMERGÊNCIA



Feitas tais considerações introdutórias ao tema que ora se pretende aprofundar, a lei sobre Licitações e Contratos Administrativos prevê em seu Art. 24, inciso IV, o caso de contratação direta face a prévia existência de motivos caracterizadores de situação de emergência.



Assim reza o Art. 24, inciso IV da Lei nº 8.666/93:



“Art. 24. É dispensável a licitação:



IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;”



Vê-se que é possível ocorrer dispensa de licitação quando claramente caracterizado urgência de atendimento a situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares (3).



Esse conceito de emergência capaz de justificar a dispensa do procedimento licitatório deve esta respaldada em situação real decorrente de fato imprevisível ou, embora previsível, que não possa ser evitado.



A dispensa de licitação por emergência tem lugar quando a situação que a justifica exige da Administração Pública providências rápidas e eficazes para debelar ou, ao menos, minorar as conseqüências lesivas à coletividade.



A respeito ensina o Antônio Carlos Cintra do Amaral:



“A emergência é, a nosso ver, caracterizada pela inadequação do procedimento formal licitatório ao caso concreto. Mais especificamente: um caso é de emergência quando reclama solução imediata, de tal modo que a realização de licitação, com os prazos e formalidades que exige, pode causar prejuízo à empresa (obviamente prejuízo relevante) ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços ou bens, ou, ainda, provocar a paralisação ou prejudicar a regularidade de suas atividades específicas. Quando a realização de licitação não é incompatível com a solução necessária, no momento preconizado, não se caracteriza a emergência”(Licitações nas Empresas Estatais. São Paulo, McGraw Hill, 1979, p.34).



Diga-se, por oportuno, que para que a contratação direta fundamentada nos casos de emergência seja realizada de forma lícita, necessário se faz a plena demonstração da potencialidade do dano e eficácia da contratação para elidir tal risco.



Importante, ainda, ressaltar o descabimento da dispensa de licitação quanto aos casos de emergência ficta, ou fabricada (4), em que a Administração Pública deixa de adotar tempestivamente as providências necessárias à realização de licitação previsível.



O Tribunal de Contas da União já firmou jurisprudência nesse sentido, consubstanciadas, por exemplo, nos acórdãos nº 348/2003 e nº 1705/2003, orientando no sentido da realização de licitação com a antecedência necessária, de modo a evitar situações em que o atraso do início dos certames licitatórios seja a causa para as contratações com fulcro no Art. 24, inciso IV da Lei nº 8.666/93.



Assim, recomenda o TCU que a Administração Pública deverá adotar as providências cabíveis para que sejam promovidos os processos licitatórios com a antecedência necessária para a sua conclusão antes do término do contrato vigente, evitando-se a descontinuidade da prestação dos serviços e a realização de dispensa de licitação por emergência.



A despeito de tal recomendação, a nosso ver não se pode olvidar que, uma vez presentes todos os requisitos previstos no dispositivo legal em comento, cabível será a dispensa de licitação por emergência, independentemente da culpa do servidor pela não realização do procedimento licitatório na época oportuna. Ora, caso a demora no procedimento puder ocasionar prejuízos ou comprometer a segurança de pessoas, obras ou serviços, públicos ou particulares, mesmo assim deve-se proceder à dispensa por emergência, pois o interesse público em questão conduz necessariamente nesse sentido.



Com efeito, a hipótese de dispensa de licitação por emergência não tem o condão de atribuir ao Administrador Público irrestrita liberdade para que possa, a seu talente, evitar o processo licitatório, pois a regra é licitar, sendo as exceções previstas em lei.



Nesse sentido é a jurisprudência dominante nos Tribunais Pátrios:



“Constitucional. Administrativo. Licitação. Prestação de serviços de limpeza e conservação. Obrigatoriedade. Sucessivas revogações e anulações de certames anteriores. Finalidade. Imposição injustificada de óbice à participação da impetrante nas licitações. Ilegalidade da conduta da autoridade coatora. Indisponibilidade do interesse público. Negligência. Caracterização de situação emergencial. Hipótese de dispensa e inexigibilidade. Exceção.



1. Ressalvadas as hipóteses previstas na legislação, as obras, serviços, compras e alienações promovidas pela Administração serão precedidas de licitação pública, a qual tem por finalidade observar o princípio constitucional da isonomia e selecionar a proposta que lhe for mais vantajosa. Inteligência do art. 37, XXI, da Constituição Federal c/c art. 3º, caput, da Lei nº 8.666/93.



2. Afigura-se ilegal a conduta perpetrada pela autoridade coatora que, por meio de sucessivas revogações e anulações das licitações promovidas, busca impedir a participação da impetrante, de forma injustificada, em qualquer procedimento que vise à contratação de empresa para prestação de serviços de limpeza e conservação, fato que contraria os princípios constitucionais da igualdade, da moralidade e da impessoalidade.



3. A atuação do Administrador deve sempre orientar-se à consecução do interesse público, observando-se, contudo, que não possui a disponibilidade do interesse a que persegue.



4. A negligência da conduta da Administração não pode servir como fundamento à caracterização de situação emergencial criada ao talente do administrador, na medida em que a realização de licitação para compra de bens e serviços é a regra a ser seguida. As hipóteses de dispensa e inexigibilidade constituem exceções, nos estreitos limites preconizados nos arts. 24 e 25 da Lei 8.666/93. (TRF, 1ª R., REOMS nº 199932000061805, Des. Federal Selene Maria de Almeida, 07.06.2004).



Contudo, a Administração Pública, a fim de realizar a seqüência de atos relativos a um procedimento licitatório, em especial por respeito aos princípios constitucionais de legalidade, igualdade e publicidade de seus atos, sujeita-se ao fator “tempo”, para produzir os efeitos desejados por uma contratação.



Reconhece-se, todavia, que, por vezes, o decurso desse prazo pode inviabilizar o atendimento do interesse público, ensejando em possíveis prejuízos a bens e pessoas. Em tais casos, não pode permanecer inerte o administrador público diante de fatos que reclamam providências que serviriam para rebater e conter as situações emergenciais.



Esta é a lição de Vera Lúcia Machado D´Avila sobre o tema:



“O enfoque, portanto, delimitador da definição de emergência e urgência, parece convergir ao aspecto ´tempo´, ou seja, à verificação de que a via normal de decurso de um procedimento licitatório, sem que medidas efetivas sejam imediatamente adotadas pelo administrador, pode transforma-se em resultado danoso às coisas e pessoas, comprometendo a segurança das mesmas.”(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. D´AVILA, Vera Lucia Machado. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. 3 ed. 1998. São Paulo. Malheiros, p. 91).



Urge em tais casos, o empenho por parte da Administração em demonstrar, de forma clara, a existência de situação fática excepcional e emergencial que justifique a dispensa do procedimento licitatório, bem como a cabal indicação de que este constitui o único meio viável para sanar ou minorar o dano iminente às pessoas ou bens (5).



Nessa linha, verifica-se que a contratação direta decorrente do permissivo do art. 24, inciso IV da Lei nº 8.666/93, para que encontre respaldo legal, deverá basear-se em justificativas tanto quanto necessárias sobre a situação emergencial, além de claramente sinalizar no sentido de que a contratação direta constitui o meio único e viável para atender, naquele momento, a necessidade pública.



A contratação direta por emergência deverá visar à eliminação dos riscos de prejuízos, atendendo, contudo, às limitações impostas pela lei, sobre tudo a vedação de prorrogação do instrumento contratual. Como bem esclarece o dispositivo em comento, a dispensa nesses casos será admissível tão somente para a aquisição dos bens ou serviços necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para parcelas de obras e serviços que possam ser concluídos no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos (6).



Portanto, a contratação direta nos casos de emergência deve ser utilizada pela Administração quanto restarem presentes todos os pressupostos constantes do art. 24 da Lei nº 8.666/93, sendo, ainda, necessário o cumprimento de procedimentos simplificado estabelecido no art. 26 do mesmo diploma legal.



IV – PRESSUPOSTOS DA DISPENSA DE LICITAÇÃO POR EMERGÊNCIA



Para que a Administração Pública esteja apta a contratar diretamente com o particular, com fundamento na dispensa de licitação por emergência, necessário se faz o atendimento de dois pressupostos indispensáveis para o caso, a saber:



a). Demonstração cabal e efetiva da potencialidade do dano.



No caso, deve a Administração demonstrar concreta e efetivamente a situação de emergência, sendo insuficiente ao caso a mera demonstração de emergência em tese ou teórica.



Necessário a elaboração de ampla justificativa enumerando dados e fatos que, no conjunto, embasem com segurança a decisão de dispensar a licitação com amparo no art. 24, inciso IV da Lei nº 8.666/93.



Ademais, o dano ou prejuízo em potencial sobre bens e pessoas, deve ser analisado com cautela, pois não é qualquer prejuízo que autoriza a Administração contratar diretamente com o particular. O dano deve ser analisado sob a ótica de sua possível irreparabilidade, pois se assim não for, determina a lei o trâmite regular do procedimento licitatório.



b). Demonstração de que a contratação é via adequada e efetiva para eliminar o risco.



A dispensa de licitação por emergência somente será admissível se a contratação direta for meio hábil e suficiente para debelar o risco de dano.Nesse sentido, nasce a obrigação de a Administração compor o nexo de causalidade entre a contratação pretendida e a supressão do risco de prejuízos a bens e pessoas.



Assim aduz Maçal Justen Filho com clareza de verbo:



“Em última análise, aplica-se o princípio da proporcionalidade. A contratação deverá ser o instrumento satisfatório de eliminação do risco de sacrifício dos interesses envolvidos. Mas não haverá cabimento em promover contratações que ultrapassem a dimensão e os limites da preservação e realização dos valores em risco.”(Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 239).



Como dito acima, a contratação nestes casos necessita de prévia e ampla justificativa, não apenas sobre a emergência, mas também acerca da plena viabilidade do meio pretendido para atendimento da necessidade pública. A Administração deve proceder à solução compatível com a real necessidade que conduz à contratação.



Com maior rigor, mas na mesma linha de entendimento acerca dos pressupostos necessários à contratação direta por emergência, o Tribunal de Contas da União mantém o entendimento exarado conforme decisão do Plenário nº 347/94, de relatoria do Ministro Carlos Átila, abaixo transcrito:



“Calamidade pública. Emergência. Dispensa de licitação. Lei nº 8.666/93, art. 24, IV. Pressupostos para aplicação. 1 – que a situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não se tenha originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída a culpa ou dolo do agente público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação; 2 – que exista urgência concreta e efetiva do atendimento a situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso, visando afastar risco de danos a bens ou à saúde ou vida de pessoas; 3 – que o risco, além de concreto e efetivamente provável, se mostre iminente e especialmente gravoso; 4 – que a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro, de determinadas obras, serviços ou compras, segundo as especificações e quantitativos tecnicamente apurados, seja o meio adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado.”



Isto posto, os argumentos e teses ora esposados conduzem a conclusão de que a contratação direta com base na dispensa de licitação por emergência terá assegurada sua legalidade e licitude, uma vez cabalmente demonstrados a potencialidade do dano o qual pretende combater, bem como a comprovação técnica de que o objeto a ser adquirido por meio da dispensa é essencial para a diminuição ou inocorrência do prejuízo.



V – CONCLUSÃO



A licitação constitui procedimento administrativo de status constitucional, destinado a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, sendo, esta forma, procedimento obrigatório para qualquer tipo de contratação que deseje a Administração Pública realizar.



Apesar de constituir regra geral no ordenamento jurídico pátrio, a licitação comporta exceções expressamente previstas na Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, quando claramente caracterizado casos de dispensa (art. 24) ou de inexigibilidade (art. 25) do procedimento licitatório.



Nesse diapasão, dentre s casos enumerados em lei, onde o certame licitatório pode ser dispensado, figura a situação de emergência e/ou calamidade pública, conforme previsão expressa do art. 24, inciso IV do diploma legal suso mencionado.



A emergência que justifica a dispensa de licitação deve ser caracterizada por situação fática real, e não meramente em tese, ocasionada por fato imprevisível ou, embora previsível, mas que não pôde ser evitado.



A contratação direta nos casos de emergência tem lugar quando a situação que a justifica demanda da Administração Pública providências urgentes a fim de evitar prejuízos ou repelir os riscos de danos às pessoas, bens ou serviços, públicos ou privados.



Ademais, dentro das limitações impostas por lei, a dispensa de licitação por emergência somente deverá acontecer quando cabalmente demonstrado a potencialidade do dano que se pretende repelir, bem como a clara indicação de que este constitui maio único adequado e suficiente para eliminação dos riscos.



Nesses termos, ressalte-se que a dispensa por emergência do procedimento licitatório agrega caráter de excepcionalidade, podendo seu uso inadequado caracterizar ofensa ao princípio da moralidade pública, ensejando aplicação de sanção no âmbito administrativo, civil e criminal.

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