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quarta-feira, 28 de julho de 2010

Qualidade nas Licitações

Reiteradamente se tem propalado que a Lei de Licitações obriga a Administração a comprar produtos de baixa qualidade, face ter estabelecido a regra geral da aquisição pelo menor preço. Esse equívoco tem por causa três diferentes fatores, quais sejam a ausência de treinamento, o equívoco de que comprar pelo menor preço obriga a aceitar qualquer produto e a errada compreensão de decisões dos órgãos do controle.

Percebe-se, entretanto, que em estudo mais aprofundado da precitada Legislação, verifica-se inclusive a possibilidade jurídica da indicação e exclusão de marcas, exigência de amostras de produtos, indicação de características definidoras de qualidade do produto, dentre outros recursos que permitem que a Lei de Licitações, seja cumprida e ainda que o processo licitatório seja realizado com qualidade.

O referido equívoco tem por causa três diferentes fatores:

I - Ausência de treinamento

Essa crítica, como muitas outras, poderia ser resolvida com o simples treinamento dos servidores responsáveis pela aplicação desse diploma legal.

De fato não se pode conceber que sejam encarregados de dar cumprimento a uma legislação complexa servidores sem prévio conhecimento do assunto, normalmente já sobrecarregados de tarefas múltiplas. Nesse sentido merecem destaque decisões dos Tribunais de Contas que vêm determinando o treinamento dos servidores da Administração quando evidente o erro, sem má-fé, por simples desconhecimento das normas em vigor.(1)

Um bom treinamento é o que capacita juristas ou não a explorarem a potencialidade da norma, rumo à eficácia da Administração.

II - Equívoco de que comprar pelo menor preço obriga a aceitar qualquer produto

A crítica apontada no preâmbulo também não procede, quando examinada com a acuidade necessária à Lei de licitações.

Em vários dispositivos, a Lei no 8.666/93 aponta como vetores da atuação administrativa a possibilidade de indicar a qualidade do produto. A Administração tem o dever de indicar o objeto pretendido na licitação, inclusive com as características necessárias à qualidade satisfatória.

O que se não admite é a restrição injustificada, porque afeta o princípio basilar da licitação, qual seja a isonomia entre os interessados.

Cabe mencionar alguns desses dispositivos, a título de exemplificação.

- no caso de serviços, a qualidade pode ser licitamente indicada no projeto básico, ao definir, com precisão, o objeto pretendido pela Administração, desde que justificada à luz do interesse público. O conceito de projeto básico está no art. 6º, inc. IX; a obrigatoriedade de sua elaboração antes da licitação é exigida no art. 7º, § 2º, inc. I; a obrigatoriedade de publicar o projeto básico junto com o edital está no art. 40, § 2º, inc. I, todos os dispositivos da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade do trabalho executado deve ser aferida em cada etapa, como providência indispensável ao início da etapa seguinte, nos termos do art. 7º, §1º, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade do produto, a indicação de marcas ou características exclusivas ou sem similaridade é expressamente admitida, quando for tecnicamente justificável, por exceção à regra geral, conforme art. 7º, §5º, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade é um dos requisitos na elaboração de projetos, expressamente traduzida em durabilidade, facilidade na execução, conservação e operação, funcionalidade, adequação ao interesse público e segurança, nos termos do art. 12, incs. I, II e V, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade na fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras e serviços foi objeto de preocupação do legislador quando autorizou a realização de concurso para assistência do executor do contrato, conforme art. 13, inc. IV, c/c 67, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade de uma compra é garantida quando o legislador exige "a adequada caracterização do objeto", na dicção do art. 14, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade foi traduzida pelas expressões "compatibilidade de especificação técnica e de desempenho", estabelecida no art. 15, inc. I, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade também é assegurada quando o legislador exige "a especificação completa do bem ", no art. 15, § 7º, inc. I, da Lei nº 8.666/93;

- a manutenção da qualidade foi objeto de expressa disposição, quando foi determinado que se observassem as condições de guarda e armazenamento que não permitissem a deterioração do material, na redação do art. 15, § 7º, inc. III, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade dos bens adquiridos foi objeto de preocupação, no momento do recebimento, quando o legislador instituiu a comissão de recebimento nos termos do art. 15, § 8º, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade foi assegurada também quando se permite exigir do licitante a qualificação técnica para execução do objeto, no art. 30, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade na execução do objeto também foi assegurada com a possibilidade de a Administração indicar a relação de máquinas, equipamentos e pessoal técnico considerados essenciais para o cumprimento da obrigação, na forma do art. 30, § 6º, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade foi traduzida como a possibilidade de exigir dos licitantes a metodologia da execução, que pode ser avaliada pela Administração, na fase da habilitação, nos termos do art. 30, § 8º, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade na execução de determinado objeto deve ser anotada no registro cadastral, para referência nas futuras contratações, na forma do art. 36, § 2º, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade exigida no edital, se desatendida na proposta do licitante, implica a desclassificação desta, pelo que se depreende do art. 43, inc. IV, c/c 48, inc. I, da Lei nº 8.666/93;

- a verificação da qualidade do objeto pode ser motivo de diligência da comissão de licitação, na forma do art. 43, § 3º, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade pode ser licitamente indicada, quando aferível por critérios objetivos e respeito ao princípio da igualdade, nos termos do art. 44, § 1º, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade do objeto pretendido pode vir até a justificar a utilização de outro tipo de licitação, como "técnica e preço" ou "melhor técnica", como dispõe o art. 4, § 1º, e 46, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade na execução do objeto é garantida pelo dever da Administração de designar "especialmente" para cada caso um fiscal ou executor, necessariamente entre os agentes da Administração, na forma do art. 67, da Lei nº 8.666/93;

- a qualidade, no recebimento do objeto, foi assegurada pelos procedimentos específicos do art. 73, da Lei nº 8.666/93;



III - A errada compreensão de decisões dos órgãos do controle

Desde o advento do Decreto-Lei nº 2300/86, os Tribunais de Contas e os órgãos de controle interno assumiram relevância na interpretação das normas relativas a licitações e contratos.

Tal fato repousa em três fundamentos:

a) primeiro, que de acordo com o art. 79, § 2º, do mencionado diploma, os Tribunais poderiam expedir normas visando explicitar a aplicação do tema. Embora essa competência tenha sido considerada inexercitável, de acordo com o voto do eminente Ministro Ivan Luz, pois implicaria o exercício de competência normativa por órgão não integrante do Poder Legislativo, a jurisprudência foi sendo sistematizada e observada como precedente de julgamento pelos próprios Tribunais;

b) segundo, porque os órgãos de controle agem de ofício e julgam anualmente o conjunto de atos praticados, entre os quais as licitações e contratos. Os órgãos do Poder Judiciário só atuam quando provocados, escapando-lhes a aferição da legalidade da imensa maioria dos atos;

c) terceiro, porque a Lei no 8.666/93, no art. 113, renovou a ênfase da ação do controle ao permitir lhe sejam permanentemente contrastados os atos dessa matéria.

Nada obstante esse fato, as decisões da maioria dos Tribunais de Contas não alcança o caracter pedagógico que pretendem essas Cortes em virtude de:

a) a forma de redação dos acórdãos, seja pela concisão, seja pelo emprego de vernáculo técnico, não consegue estabelecer comunicação com os que são responsáveis de fato pela prática de atos de licitação e contratos;

b) o veículo utilizado para comunicar as decisões, o Diário Oficial, estigmatizar-se pelo volume de informação e sua assistematização;

c) não haverá separação por assunto tratado, exigindo do interessado trabalho de pesquisa e avaliação da relevância dos temas tratados, na maioria das vezes incompatíveis com os outros misteres da comissão de licitação.

Esses aspectos acabam por gerar equívocos na interpretação das decisões, e o temor, pela gravidade das penas impostas, de adotar determinações, decisões ou recorrer do que é deliberado.

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