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quinta-feira, 7 de abril de 2011

Contratos de gestão

Contratos de gestão


http://jus.uol.com.br/revista/texto/5913

Publicado em 11/2004

Ana Patrícia Aguilar

A Constituição Federal fala, expressamente, de algumas espécies de acordos de interesse firmados entre particulares e o Poder Público. Outros, como o contrato de gestão, não encontram menção expressa no texto constitucional.

1.Introdução.

A Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, acrescentou, no caput do artigo 37 da Constituição Federal, entre os princípios da Administração Pública, o princípio da eficiência. Para Diogo de Figueredo Moreira Neto [1], entenda-se a eficiência da Administração Pública como "a melhor realização possível da gestão dos interesses públicos, em termos de plena satisfação dos administrados com os menores custos para a sociedade".

No que respeita à prestação de serviços públicos à sociedade, por parte do Estado, temos que, inicialmente, este concentrava em suas mãos a satisfação das necessidades da população. Com o passar do tempo, verificou-se que essa concentração o sobrecarregava, já que não possuía agilidade necessária para desempenhar todas as tarefas que lhe eram cometidas. E com a sobrecarga, os serviços prestados, pelo Estado, à sociedade mostravam-se ineficientes, insuficientes e insatisfatórios.

Ademais, o regime jurídico público caracteriza-se pela rigidez. Assim, além de sobrecarregado, o Estado via-se amarrado a um regime rígido, por força da própria lei maior, que restringia a sua autonomia na hora de escolher os meios e estratégias a serem utilizadas na entrega do serviço.

Com o objetivo de modificar esse quadro, assistimos, de início, à descentralização dos serviços, que antes ficavam a cargo da administração direta, e que foram entregues às entidades da administração pública indireta – autarquias, fundações e empresas estatais. Em seguida, além da descentralização por outorga a essas entidades mencionadas, partiu-se para a descentralização por delegação, entregando-se a execução de alguns serviços públicos a pessoas físicas e jurídicas – a particulares, portanto - através de contrato firmado com o Poder Público.

As empresas estatais, cuja criação e regulamentação encontram-se previstas no art. 173 da Constituição Federal de 1.988, precisavam otimizar seus serviços, tornando-se competitivas e eficientes, razão pela qual em 27 de maio de 1991 o então presidente da República Fernando Collor de Mello instituiu o Programa de Gestão das Empresas Estatais com a publicação do Decreto nº 137, que será objeto de comentários a seguir.

Foi nesse cenário que surgiram também as várias espécies de acordos de interesse firmados entre particulares e o Poder Público, com vistas a recuperar a eficiência necessária e a satisfação da sociedade pelo recebimento de um serviço bom e adequado às suas necessidades. A Constituição Federal fala, expressamente, em seu texto, de algumas espécies, tais como os contratos de concessão e os termos de permissão. Outras, como a espécie que será doravante objeto de estudo, se não encontram menção expressa no texto constitucional, nem por isso se pode dizer que lhes falta previsão legal.

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2.Conceito e origem.

Para Diógenes Gasparini [2], trata-se, o contrato de gestão, de "ajuste celebrado pelo Poder Público com órgãos e entidades da Administração direta, indireta e entidades privadas qualificadas como organizações sociais, para lhes ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira ou para lhes prestar variados auxílios e lhes fixar metas de desempenho na consecução de seus objetivos". O contrato de gestão designa algumas espécies de acordos celebrados entre a Administração direta e entidades da administração indireta, assim também com entidades privadas que atuam de forma paralela com o Estado, e com dirigentes de órgãos da própria administração direta.

O instituto tem origem no direito francês, cujo ordenamento é muito mais flexível do que o direito administrativo brasileiro. Vale dizer que, no Brasil, sobra pouco espaço para o exercício da liberdade, para o arbítrio do administrador, porque, a teor do que consta no caput do art. 37 da Constituição Federal, a Administração Pública há que se pautar, entre outros, pelo princípio da legalidade. Isto equivale dizer que, ao contrário do particular, a quem tudo é permitido, desde que não viole as normas estabelecidas, à Administração só cabe fazer aquilo que a lei expressamente o permita. O direito administrativo francês, por outro lado, conforme ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro [3], é, em grande parte "... jurisprudencial, muito menos legislado que o nosso, deixando muito mais espaço para as inovações feitas pela Administração Pública".

A diferença entre os dois sistemas, analisada aqui de modo apenas superficial, nos leva à conclusão de que o contrato de gestão, de origem francesa, não foi utilizado, em nosso país, ao menos de início, com observância ao princípio da legalidade, sendo fruto de uma adaptação bisonha de um instituto alienígena ao ordenamento pátrio, sem as devidas cautelas. Com efeito, a primeira norma que menciona expressamente o contrato de gestão e que trata das hipóteses de sua utilização foi o Decreto 137/91.

O referido Decreto tinha como objetivo "promover a eficiência e a competitividade das empresas estatais" (art. 1º), sendo certo que, por previsão expressa, caberia ao Comitê de Controle das Empresas Estatais (CCE), instituído por decreto publicado em 4 de fevereiro de 1991, entre outras incumbências, "aprovar e supervisionar os contratos de gestão das empresas estatais, previstos no art. 8º..." (art. 3º, inc. III).

Os contratos de gestão, previstos no art. 8º daquele decreto, deveriam estipular "os compromissos reciprocamente assumidos entre a União e a empresa", contendo ainda cláusulas que especificariam os objetivos, as metas, os indicadores de produtividade, os prazos para a consecução das metas estabelecidas e para a vigência do contrato, os critérios de avaliação de desempenho, as condições para a revisão, renovação, suspensão e rescisão, bem como as penalidades aos administradores que descumprissem as resoluções do CCE ou as cláusulas contratuais.

Com a assinatura do contrato, a empresa estatal isentava-se da aprovação prévia de propostas que tratassem dos preços e tarifas dos serviços públicos, da admissão de pessoal, da despesa de pessoal, inclusive aquele contratado a título de Serviços de Terceiros, da elaboração, execução e revisão orçamentárias, da contratação de operações de crédito ou de arrendamento mercantil, inclusive refinanciamento e dos demais assuntos que afetassem a política econômica. Além disso, os membros dos conselhos de administração e dos conselhos fiscais das empresas estatais deveriam zelar pelo cumprimento das resoluções do CCE e dos contratos de gestão.

As primeiras hipóteses de utilização desse instituto ocorreram com a Companhia Vale do Rio Doce – CVRD, a Petróleo Brasileiro S/A e o Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais. Mas o fato de a matéria ser, naquele momento, regulamentada pelo Decreto 137/91, afrontava o Princípio da Legalidade, um dos princípios norteadores básicos da administração pública (Constituição Federal, art. 37, caput). Com efeito, a previsão constante do art. 8º, § 3º, daquele decreto, isentando as empresas estatais que firmassem contrato de gestão com a União, da autorização prévia no tocante às matérias previstas no art. 3º, inciso II, bem como o afastamento das exigências de controle, tal como ocorre nos contratos de gestão, não eram matérias passíveis de serem regulamentadas por decreto, e sim por lei infraconstitucional ou por emenda constitucional, o que fez com que os contratos celebrados sofressem impugnação por parte do Tribunal de Contas da União.

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3.O contrato de gestão e a legislação atual.

A Emenda Constitucional nº 19/98, que alterou a redação do art. 37 da Constituição Federal, acrescentou a este artigo o disposto no § 8º, ande se lê que "a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I – o prazo de duração do contrato; II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidades dos dirigentes; III – a remuneração do pessoal".

Embora o dispositivo não o mencione expressamente, é nele que se encontra a previsão constitucional que dá respaldo ao chamado contrato de gestão.

No entanto, antes mesmo da Emenda Constitucional nº 19, os Decretos nº 2.487 e 2.488, ambos de 02 de fevereiro de 1998, tratavam do contrato de gestão, cuja celebração era um dos requisitos para que autarquias e fundações recebessem a qualificação especial de agências executivas. Além da celebração desse contrato, as autarquias e fundações que pretendessem tal qualificação deveriam ter plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional, voltado para a melhoria da qualidade da gestão e a redução de custos.

Mais tarde, em 15 de maio de 1998, foi publicada a Lei 9.637, que dispõe sobre a qualificação de instituições não governamentais como organizações sociais, voltadas à prestação de atividades de interesse público, mediante várias formas de fomento pelo Estado. Essas atividades de interesse público são aquelas de prestação não exclusiva por parte do Estado, na área dos serviços sociais, abertos à iniciativa privada, tais como cultura, saúde, educação e outras. Essas instituições podem ser inseridas na categoria de entidades paraestatais, por serem pessoas privadas que atuam em colaboração com o Estado, "desempenhando atividade não lucrativa e às quais o Poder Público dispensa especial proteção", recebendo, para isso, dotação orçamentária por parte do Estado.

A lei 9637/98 foi resultado de conversão de medida provisória que tratava do assunto, como parte do que o Governo chamava de Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado. O contrato de gestão firmado com tais empresas, no entender de Maria Sylvia Zanella di Pietro [4], "constitui instrumento de fomento e, portanto, meio de incentivo à iniciativa privada, e não como forma de descentralização", já que as organização sociais prestariam, não serviços públicos, de forma descentralizada, mas "atividade privada de interesse público, a ser fomentada pelo Estado mediante a celebração de contrato de gestão".

Assim, o contrato de gestão firmado entre o Estado e as organizações sociais tem por escopo estabelecer um vínculo jurídico entre ambos, fixando metas a serem cumpridas pela entidade, tendo como contraprestação o auxílio, por parte do Estado, que pode fazer a cessão de bens públicos, a transferência de recursos orçamentários, a cessão de servidores públicos, entre outros. Com isso, o Estado consegue patrocinar o funcionamento das atividades com observância do princípio da eficiência, sujeitando essas entidades a um controle de resultados, de modo que, não atingidas as metas fixadas e não sendo satisfatórios os resultados, as organizações podem vir a perder o fomento do Estado.

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4.Objetivos do contrato de gestão.

Os objetivos a serem alcançados, com a formalização do contrato de gestão, serão variáveis, conforme se trate de pacto firmado entre a Administração Direta e seus órgãos, entre aquela e entidades da Administração Indireta ou entre o Estado e entidades paraestatais.

Nos primeiros casos, o contrato de gestão tem, como objetivo principal, a concessão de uma maior autonomia ao órgão da administração direta ou à entidade da administração indireta, para permitir que as metas estabelecidas no contrato sejam atingidas ao final do prazo, ali também definido. Mas não é só: presta-se ele também para fixar as metas a serem atingidas e os meios de redução de custo, bem assim para prever um controle de resultados, por meio do qual a Administração poderá decidir sobre a conveniência da manutenção ou da resolução do contrato. Ou seja, trata-se de um meio de adequar a prestação de serviços, de forma desconcentrada ou descentralizada, aos planos nacionais, conforme previstos na política de governo. Com efeito, leciona Maria Sylvia Zanella di Pietro [5] que, nesses casos, o contrato de gestão tem como objetivo a "flexibilização do regime jurídico administrativo", concedendo efetivamente às entidades da administração direta maior autonomia gerencial, operacional e financeira.

Todavia, quando se trata de contrato firmado com as entidades paraestatais, o contrato de gestão tem efeito contrário, já que "ao invés de permitir a submissão integral ao regime jurídico privado, exige-se da entidade a obediência a determinadas normas e princípios próprios do regime jurídico publicístico". Assim, para que possam merecer o repasse de verbas públicas, resultante da realização do contrato, tais entidades submetem-se a um rígido controle de resultados. Há quem diga que o contrato de gestão seria uma forma fugir do regime jurídico de direito público, em afronta à legalidade.

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5.Inadequação do termo contrato.

A lei e a doutrina civil pátria qualificam como contrato o ajuste celebrado entre partes capazes, com obediência à forma estabelecida ou não defesa em lei, e cujo objeto seja lícito possível e idôneo.

No que respeita ao segundo requisito, o contrato de gestão encontra previsão expressa na lei 9.637, de 15 de maio de 1998. Esta lei dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, e trata especificamente desse tipo de contrato em seus artigos 5º a 7º. É bem verdade que o contrato de gestão já havia sido delineado nos arts. 3º e 4º do Decreto nº 2.487/98, anterior à Emenda nº 19/98 e à Lei 9.637. Mas, conforme foi dito anteriormente, a matéria em exame exigia previsão legal, não sendo o Decreto instrumento competente para tanto.

Superado esse problema, o objeto do contrato de gestão afigura-se lícito, possível e idôneo, ao menos em uma análise preliminar. No que respeita ao contrato de gestão firmado entre o Poder Público e as autarquias e fundações que pretendam a qualificação de agência executiva, vemos que o instrumento "... definirá relações e compromissos entre os signatários, constituindo-se em instrumento de acompanhamento e avaliação do desempenho institucional da entidade, para efeito de supervisão ministerial e de manutenção da qualificação como Agência Executiva" [6].

As partes signatárias do ajuste é que constituem objeto da maior crítica. Com efeito, se o contrato de gestão for firmado entre órgãos da administração direta e entes paraestatais – particulares, portanto – não há que se estranhar a utilização do contrato de gestão como instrumento consolidador do ajuste. Afinal, a Administração Pública pode perfeitamente firmar contratos com particulares, pessoas físicas ou jurídicas, para a prestação de serviços públicos, para a compra e venda de bens, construção de obras e outras espécies. Lógico que, para a efetuação de tais negócios, a Constituição Federal e leis infraconstitucionais, como a lei das licitações e contratos e a lei que trata dos contratos de concessão e da permissão de serviços públicos aos particulares, exigem o cumprimento de requisitos outros, como, por exemplo, a necessidade de serem, tais contratos, precedidos de procedimento licitatório, com a finalidade de assegurar a participação dos interessados em contratar com o Poder Público em igualdade de condições.

Assim, a diferença que se pode apontar entre os contratos ordinariamente firmados entre particulares e aqueles firmados entre o Poder Público e os particulares é que estes últimos possuem cláusulas exorbitantes, a favor do Estado, derrogatórias das normas de direito privado, coisa que nos contratos firmados entre particulares não poderia ser cogitado por consistir nulidade. No mais, devem estar presentes os requisitos de qualquer contrato válido, como os já mencionados acima.

As características de um contrato privado, conforme previsto na lei civil, também se encontram presentes. Assim, pode-se dizer que os contratos firmados entre o Poder Público e particulares são bilaterais e sinalagmáticos. Tratam de interesses divergentes e, apesar de não se poder falar estritamente em capacidade do órgão da administração contratante, não é isso que desqualifica o acordo como contrato.

As críticas são merecidas, entretanto, quando se cogita da hipótese de contrato de gestão firmado entre órgãos da administração direta ou entre estes e entidades da administração indireta. Com efeito, falta a participação de agentes titulares de direitos e obrigações, quer dizer, de agentes dotados de capacidade. Os órgãos da Administração Direta não são dotados de personalidade, atuando em nome da pessoa jurídica a que estão integrados, sendo inadmissível que a mesma pessoa tenha interesses divergentes defendidos por órgãos diversos. Interessante o comentário trazido por Ivan Barbosa Rigolin [7], que critica a redação do § 8º do art. 37 da Constituição Federal:

"Tratar-se-ia do Poder Público contratando o Poder Público? Um governador contrataria a Secretaria de Estado que ele próprio administra superiormente, para um trabalho de gestão da saúde? A Administração direta do Estado contrataria a Administração direta do Estado? Um prefeito contrataria um departamento da própria prefeitura, para a gestão da educação no município? A cabeça contrataria o braço? A parte da frente contrataria a parte de trás, ou a de cima contrataria a de baixo, no mesmo corpo organizacional? Onde qualquer remoto sentido nessa idéia?

Também criticando a intenção do legislador, Maria Sylvia Zanella di Pietro [8] faz excelente comentário sobre o assunto, quando afirma que "por isso mesmo, esses contratos correspondem, na realidade, quando muito, a termos de compromisso assumidos por dirigentes de órgãos, para lograrem maior autonomia e se obrigarem a cumprir metas".

Lembra ainda a autora que a própria lei já cuidou de prever quais as incumbências, as atribuições e as metas de cada um dos órgãos da administração direta, não podendo as mesmas servir como mercadoria de troca. As atribuições de cada órgão, previstas em lei, são irrenunciáveis, inegociáveis, insuscetíveis, portanto de servirem como objeto de um negócio firmado entre os órgãos firmatários do contrato. A concessão de uma maior autonomia gerencial, financeira, estratégica e operacional presta-se, destarte, a servir como incentivo para a consecução dessas metas previstas na lei.

Assim, se a Constituição Federal já cuidou alhures da regulamentação de convênios administrativos, figuraria mais adequado tratar o contrato de gestão firmado entre órgãos da administração direta como convênio, pelas razões já apresentadas.

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Conclusão.

A inovação trazida pelo legislador, ao prever o contrato de gestão como instrumento para a concessão de autonomia aos órgãos e entidades da administração direta e indireta, assim também às entidades paraestatais qualificadas como organizações sociais, encontra-se dentro do projeto de diminuição do tamanho do Estado, quer dizer, do número de incumbências que lhe são cometidas, como forma de agilizar e flexibilizar a prestação de serviços, com ganhos na qualidade desses serviços e na produtividade de seus prestadores. Trata-se da doutrina do Estado mínimo, sobre a qual muito já se escreveu a respeito. Este fenômeno teve seu marco inicial, no ordenamento jurídico, com a edição da lei nº 9.491, de 09 de setembro de 1997, que trata do Plano Nacional de Desestatização, e que deu início à febre das privatizações. Apesar de ser assunto estranho ao tema ora tratado, ele nos mostra que a intenção era, realmente, como tem sido, a diminuição dos encargos do Estado, transferindo-os, em parte, para outros órgãos, entidades e pessoas.

Confrontando-se a intenção do legislador, ao instituir o Plano Nacional de Desestatização, iniciando a privatização de várias empresas antes pertencentes ao Estado, com o advento da legislação que trata do contrato de gestão firmado com entidades que atuam paralelamente ao Estado, na prestação de atividade privada de interesse público, chega-se a um paradoxo: afinal, se a intenção, com os contratos de gestão firmados entre o Poder Público e entidades privadas, é estender a elas rigidez dos contratos firmados sob o regime de direito público, afigura-se estranho a promoção da desestatização, sob outra forma que não a venda de ações, mas com a qualificação da entidade como organização social. Isto implica na extinção de um órgão público ou de uma pessoa jurídica de direito público, com o surgimento, em seu lugar, de uma pessoa jurídica de direito privado de atuação paralela ao Estado.

A intenção primeira do legislador, ao prever a utilização do contrato de gestão, foi estabelecer metas para os órgãos e entidades prestadoras de serviços, em troca da concessão de maior autonomia no planejamento de suas atividades e sua elaboração, ficando, no entanto, sujeita ao um controle de resultados, no que chamamos administração por objetivos, já que os meios de controle formal dão lugar aos controles qualitativo e quantitativo. A preocupação maior, como já exposto, é o cumprimento da eficiência, elemento preponderante da avaliação.

Apesar da intenção de conceder, àqueles que firmam contrato de concessão com o Poder Público, maior autonomia, em troca do cumprimento das metas pretendidas, vimos que os efeitos percebidos divergem, quando o contrato é firmado com entes da administração direta e indireta, em relação àquele firmado com as chamadas organizações sociais.

Não obstante ter iniciado de forma precipitada, de início sem competente previsão legal, o contrato de gestão, utilizado como instrumento de acordo de interesses entre o Poder Público e entes paraestatais, mostra-se adequado para a consecução das metas a que se obrigaram tais entidades para merecer os privilégios concedidos pelo Estado.

O tema merece as críticas trazidas pelos doutrinadores, no entanto, quando da assinatura do contrato entre órgãos da administração direta ou entre estes e entidades da administração indireta. Opiniões há, em defesa da utilização do instituto, com a desconsideração de seu nomen juris por entenderem que, se de contrato não se trata, por faltarem interesses opostos e exigência de contraprestação, poder-se-ia muito bem denominá-lo acordo de programas ou convênio, pois o instrumento, independentemente de sua denominação, apresenta resultados satisfatórios.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CRETELLA JR., José. Direito administrativo brasileiro, 2 ed., Rio de Janeiro : Forense, 2000.

GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo, 7 ed. rev. e atual., São Paulo : Saraiva, 2002.

LIMA, Sídia Maria Porto. A emenda Constitucional nº 19/98 e a administração gerencial no Brasil, Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 38, jan/2000, disponível em http://www.jus.com.br/doutrina/text.asp?id=475

DI PIETRO, Maria Sylvia. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, 4 ed. rev. e ampl., São Paulo : Atlas, 2002.

____. Direito administrativo, 13 ed., São Paulo : Atlas, 2001.

MOREIRA NETO, Diogo Figueredo. Curso de direito administrativo, 12 ed., Rio de Janeiro : Forense, 2001.

SILVA NETO, Belarmino José da. Organizações sociais: a viabilidade jurídica de uma nova forma de gestão compartilhada, Jus Navigandi, Teresina, a. 6, nº 59, out/2002, disponível em http://www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3254

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Notas

1 Curso de direito administrativo, 12 ed., Rio de Janeiro : Forense, 2001, p. 103

2 Direito administrativo, 7 ed, São Paulo : Saraiva, 2002, pp. 602-603

3 Parcerias na Administração Pública : concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, 4 ed., São Paulo : Atlas, 2002, p. 199.

4 Em Parcerias na administração pública, pp. 212-213

5 Em Parcerias na administração público, p. 226.

6 Decreto 2487/98, art. 3º, caput

7 em O contrato de gestão e seus mistérios, Consulex, ano III, n 27, 31.03.1999.

8 em Direito administrativo, 13 ed, São Paulo : Atlas, 2001, p. 283.

Sobre o autor

• Informações sobre Ana Patrícia Aguilar

Ana Patrícia Aguilar

Advogada e professora universitária da FAEF de Garça

http://www.academus.pro.br/professor/anapatricia

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

AGUILAR, Ana Patrícia. Contratos de gestão. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 491, 10 nov. 2004. Disponível em: . Acesso em: 17 fev. 2011.



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