Pesquisar este blog

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Entrevista sobre Contratação Direta

Entrevista com o professor Ronny Charles Lopes de Torres sobre Contratação Direta na Administração Pública Entrevista sobre indicadores em Compras Públicas com o professor da ENAP Thiago Bergmann   Modo de visualização Entrevista com o professor Ronny Charles Lopes de Torres sobre Contratação Direta na Administração Pública por Eduardo Paracêncio - segunda, 2 Out 2017, 17:30   (03/10/2017) Entrevista com o professor Ronny Charles Lopes de Torres sobre Contratação Direta na Administração Pública. As perguntas foram elaboradas pelo professor da ENAP Evaldo Araujo Ramos. 1 – Segundo o painel de compras do governo federal, disponível no endereço eletrônico www.paineldecompras.planejamento.gov.br, as contrações diretas corresponderam, no ano de 2016, a aproximadamente 60% (sessenta por cento) do valor total aplicado nos processos de compras do Poder Executivo Federal, dos quais mais da metade foi destinado a contratos por inexigibilidade de licitação. Este volume gasto em contratos de inexigibilidade poderia ser considerado excessivo em comparação com o montante direcionado aos processos licitatórios? Ronny: É um número interessante, sobretudo quando confrontado com a premissa de que, via de regra, deve-se licitar. As chamadas contratações diretas representam a exceção à obrigatoriedade de licitar. É necessária certa reflexão, quando se constata que a exceção tem sobrepujado a regra. Nada obstante, não parece possível definir esse percentual, desde já, como excessivo. A referência utilizada foi o valor da contratação; é possível que determinadas contratações diretas, pelo grande volume de recursos envolvidos, tenham impactado relevantemente neste percentual. Isso pode ser identificado, sobretudo, em contratos por inexigibilidade, pois estes, devido à expertise envolvida e à complexidade da contratação, podem envolver valores vultosos em um único contrato. 2 – A contratação de serviços advocatícios por parte da Administração Pública deve ser promovida exclusivamente com fundamento no art. 25, inciso II, da Lei n.º 8.666/1993? Ronny: Creio que não exclusivamente. Em princípio, os serviços advocatícios, quando não prestados pelo órgão de advocacia pública, podem ser contratados mediante licitação (uma concorrência, por exemplo) ou mediante procedimento de contratação direta. Em relação a esta última, é comum identificar-se a contratação direta de serviços advocatícios, com fundamento no inciso II do artigo 25 da Lei nº 8.666/93. Neste caso, contudo, além da inviabilidade de competição, característica ínsita às hipóteses de inexigibilidade, são necessários ao menos três requisitos: tratar-se de serviço técnico profissional especializado (rol identificado no artigo 13); referir-se à contratação de profissional ou empresa de notória especialização; além da natureza singular do serviço. É importante anotar que a notória especialização envolve elemento subjetivo, já que se refere a uma característica do particular contratado, conquanto a singularidade envolve elemento objetivo, sendo característica diferenciadora do objeto. 3 – No que se refere à contratação de profissional do setor artístico, o requisito legal de que o contrato deve ser firmado diretamente com o artista ou por intermédio de empresário exclusivo impede que a contratação seja realizada com representante detentor dos direitos sobre as apresentações/shows somente para algumas datas específicas? Ronny: A inexigibilidade deve ser compreendida em razão de sua característica matriz, a inviabilidade do procedimento de competição. Assim, o pressuposto para que um profissional do setor artístico seja contratado, através da inexigibilidade licitatória, é a inviabilidade de se realizar uma escolha minimamente objetiva, pela constatação de que um artista realmente consagrado pela opinião pública não se submeteria a um certame para sua contratação. Quando a contratação, por inexigibilidade, de profissional do setor artístico se der por meio de intermediário, deve-se exigir a comprovação da existência de contrato de exclusividade entre o empresário contratado e o artista, sendo insuficiente documento de exclusividade apenas para o dia da apresentação e restrita à localidade do evento, já que isto poderia mascarar um embuste à obrigatoriedade de licitar. 4 – O credenciamento como espécie de inexigibilidade de licitação exige, em tese, que os preços sejam previamente fixados pela Administração? O credenciamento das companhias aéreas realizado pelo Ministério do Planejamento seria uma exceção à regra?     Ronny: É comum identificar-se o credenciamento como uma hipótese de inexigibilidade. Preferimos compreender o credenciamento como um procedimento auxiliar. Em síntese, na nossa opinião, o credenciamento não é uma hipótese de inexigibilidade, mas um procedimento auxiliar necessário para ulteriores contratações diretas, por inexigibilidade, em relação a pretensões contratuais para as quais atenda ao interesse público a oportunidade de contratação de todos os fornecedores interessados e aptos para a contratação. A ausência de regulamentação específica sobre o credenciamento permitiu que alguns requisitos fossem criados pela doutrina ou jurisprudência; contudo, a prática administrativa tem produzido inflexões em “dogmas” outrora postos. Um deles, muito bem lembrado na sua pergunta, relaciona-se à fixação prévia de preços. Recentemente, ao elaborar o credenciamento das companhias aéreas, o Ministério do Planejamento permitiu variação do valor da tarifa. Conforme o novo modelo, no credenciamento para a aquisição de passagens aéreas, o preço (pagamento ao fornecedor) é definido de acordo com os valores praticados pela empresa, no momento da contratação, respeitando critérios de escolha e de pagamento definidos previamente. Embora possa ser indicada como uma exceção, parece-nos que a opção adotada estabeleceu um critério mais interessante para aquele tipo de contratação, que a fixação prévia de valores. O credenciamento é um procedimento auxiliar muito interessante, que pode apresentar ainda novas evoluções, para o melhor atendimento ao interesse público. 5 – A responsabilização do agente público pela prática da conduta descrita no art. 89 da Lei n.º 8.666/1993 depende da ocorrência de efetivo dano à Administração ou bastaria a demonstração do descumprimento às regras legalmente prescritas para a realização da contratação direta? Ronny: Entendemos que não depende de efetivo dano. Não há essa vinculação no tipo penal e trata-se de delito de mera conduta. O legislador foi rigoroso, imputando como prática criminosa até o descumprimento das formalidades pertinentes. Acreditamos, no entanto, que como qualquer norma penal, devem ser utilizados critérios razoáveis de imputação, de forma a impedir a aplicação desproporcional dos rigores da lei. 6 – Supondo que a Administração de um certo município brasileiro esteja pretendendo contratar um cantor consagrado pela opinião pública para fazer uma apresentação durante a festa do dia 31/12, como poderia ser justificado o preço? Há mecanismo de comparabilidade idôneo neste caso? Ronny: Nesse caso, um parâmetro adequado pode ser o preço praticado pelo mesmo cantor, em eventos similares. Importante perceber que o preço não precisa ser o mesmo. Diversos fatores podem afetar a oferta do profissional (data da apresentação, tempo de deslocamento, demanda atual do artista, entre outros). O fundamental é evitar desvirtuamentos comumente identificados, em que são estabelecidos preços astronômicos, os quais, na verdade, mascaram toda uma rede de distribuição ilegítima da receita pública paga. De qualquer forma, embora tenha particular rejeição a regras inflexíveis em relação às formas de comparação do valor, é fundamental entender que o preço precisa ser justificado, assim como a escolha do artista indicado (fornecedor). Estas justificativas, inclusivo, não sendo razoáveis, podem ensejar a atuação do controle. 7 – Nos processos de inexigibilidade de licitação, há obrigatoriedade de submeter os autos à prévia aprovação da assessoria jurídica? Ronny: O Parágrafo único do artigo 38 da Lei nº 8.666/93 faz remissão à aprovação das minutas. Em princípio, se há uma minuta contratual, haveria a necessidade da aprovação jurídica. Trata-se de um parecer de natureza obrigatória, porém não vinculante. 8 – Na hipótese em que o valor da contratação por inexigibilidade encontra-se abaixo do limite fixado no art. 24, inciso II, da Lei n.º 8.666/93, há necessidade de envio do processo à autoridade superior para ratificação e publicação do ato? Ronny: A Advocacia-Geral da União, em Orientação Normativa que merece elogios, a de nº 34, firmou o correto raciocínio de que as hipóteses de inexigibilidade, e mesmo as dispensas de licitação indicadas nos incisos III e seguintes do art. 24, cujos valores não ultrapassem os fixados para as dispensas de pequeno valor (incisos I e II do art. 24), dispensam a publicação na imprensa oficial do ato autorizativo pela autoridade superior a contratação direta, em virtude dos princípios da economicidade e eficiência. O curioso é que a ON ressalva apenas a publicação do ato autorizativo, mas não o ato em si. Assim, em princípio, a publicação não seria necessária, mas a análise e autorização pela autoridade superior, sim. 9 – É possível dispensar a comprovação de regularidade fiscal da empresa que explora uma determinada atividade em regime de exclusividade, como, por exemplo, telefonia fixa em determinadas regiões? Ronny: Já defendemos essa tese há anos, nos livros e nas aulas! É fundamental perceber que os requisitos de habilitação são exigências relativas, que podem ser afastadas se não cumprem sua função, de garantir uma boa contratação. O que dizer então, em uma hipótese na qual o prestador de serviços, o único, possui alguma pendência fiscal? Ou então em uma alienação, em que o arrematante que ofertou o maior preço possui pendência fiscal em relação ao seu IPTU? Parece-nos evidente que exigir o cumprimento da regularidade fiscal poderia gerar uma disfunção na aplicação da norma, fazendo com que ela prejudicasse o interesse público contratual, ao invés de protegê-lo. Enfim, a regularidade fiscal é um requisito de exigência relativa, que pode ser afastado, quando esta for a melhor opção.  Dogmaticamente, a dificuldade maior se daria em relação à regularidade com a seguridade social, por expressa restrição criada pela constituição, no §3º de seu artigo 195. De qualquer forma, entendo que na hipótese narrada em sua pergunta, sem dúvida, poderia ser afastada a exigência de regularidade fiscal, para resguardar o próprio interesse público contratual envolvido. A Lei das estatais avançou em relação a isto, retirando a previsão de exigência genérica deste requisito de habilitação, denominado regularidade fiscal pela Lei nº 8.666/93. 10 – Quais as principais cautelas devem ser adotadas pelos agentes públicos que trabalham com processos de contratação direta, sobretudo em contratos de inexigibilidade?  Ronny: As hipóteses de inexigibilidade se justificam quando há inviabilidade de competição. Bom lembrar que a competição inviável, para fins de aplicação da hipótese de inexigibilidade licitatória, não se identifica, apenas, nas situações em que é impossível haver competição, mas também naquelas em que esta é inútil ou prejudicial ao atendimento da pretensão contratual, algo identificado em alguns serviços técnicos especializados, por exemplo. É fundamental que o gestor apresente justificativa para a  contratação direta, nas hipóteses de inexigibilidade, deixando claro seu principal elemento caracterizador, que é a inviabilidade de competição, demonstrando a razoabilidade do preço estipulado e justificando a escolha do fornecedor, além do cumprimento das formalidades exigidas pela legislação ou requisitos específicos da hipótese de contratação direta, como, por exemplo, a singularidade do serviço e notória especialização do fornecedor, na contratação, por inexigibilidade, dos serviços técnicos especializados.   Ronny Charles Lopes de Torres é Advogado da União. Palestrante. Professor. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Membro do Grupo de confecção dos editais de Licitações da AGU. Membro da Câmara Nacional de Uniformização da Consultoria Geral da União. Membro do corpo editorial da Revista da Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério do Trabalho e Emprego. Atuou, ainda, na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, na Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e na Consultoria Jurídica da União, em Pernambuco. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (7ª Edição. Ed. JusPodivm); Licitações públicas: Lei nº 8.666/93 (6ª Edição. Coleção Leis para concursos públicos: Ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (6ª Edição. Ed. Jus Podivm); RDC: Regime Diferenciado de Contratações (Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm) e Improbidade administrativa (Ed. Jus Podivm). Autor da coluna mensal “Direito & Política” da Revista Negócios Públicos. Evaldo Araujo Ramos possui graduação em Administração pela Universidade de Brasília (2004) e graduação em Direito pela Universidade Católica de Brasília (2009). Iniciou em 2017 um MBA em licitações e contratos administrativos. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo. Já exerceu os cargos de técnico judiciário no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e de analista de finanças e controle na Controladoria-Geral da União. Atualmente ocupa o cargo de auditor federal de controle externo no Tribunal de Contas da União, onde desempenha as funções de pregoeiro, leiloeiro e presidente das comissões especiais de licitação. Possui vasta experiência na área de licitações, com ênfase para o pregão eletrônico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário