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quarta-feira, 11 de maio de 2011

RECURSO Nº: 84.082 UF: RS


RELATOR: Min. Demócrito Reinaldo

DATA: 23.5.1996 (julgamento)

FONTE: DJ, de 01.7.96, p. 24002

ASSUNTO:

Mandado de segurança  Cabimento contra ato de entidades da Administração (direta ou indireta)  Conceito de ato de autoridade.

EMENTA:

Processual civil. Mandado de segurança contra ato praticado por sociedade de economia mista  Possibilidade  Conceito de autoridade  Art. 1º da Lei nº 1.533/51  O conceito de autoridade para justificar a impetração do mandamus e o mais amplo possível e, por isso mesmo, a lei ajuntou-lhe (ao mesmo conceito), o expletivo: "seja de qual natureza for"  Os princípios constitucionais a que esta sujeita a administração direta e indireta (incluídas as sociedades de economia mista) impõem a submissão da contratação de obras e serviços públicos ao procedimento da licitação, instituto juridicizado como de direito público  Os atos das entidades da administração (direta ou indireta) constituem atividade de direito publico, atos de autoridade sujeitos ao desafio pela via da ação de segurança  In casu, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) na medida em que assumiu o encargo de realizar a licitação pública para efeito de selecionar pessoas ou entidades para realização de obras e serviços do maior interesse da sociedade praticou atos administrativos, atos de autoridade, já que regidos por normas de direito público e que não poderão permanecer forros a impugnação através do mandado de segurança  Recurso provido  Decisão unânime.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado. Ausente, justificadamente, o Sr. Min. José de Jesus Filho. Custas, como de lei.

Brasília (DF), 23 de maio de 1996 (data do julgamento).

HUMBERTO GOMES DE BARROS

Presidente

DEMÓCRITO REINALDO

Relator

RELATÓRIO

O Sr. Min. Demócrito Reinaldo (Relator): No Estado do Rio Grande do Sul, por intermédio da Companhia Estadual de Energia Elétrica, Sociedade de Economia Mista, instaurou-se o processo licitatório para efeito de habilitação de empresas ou pessoas visando à construção da Usina Dona Francisca.

Ultimada a primeira etapa do processo licitatório, a Diretoria Coletiva da Companhia de Energia Elétrica julgou a fase de habilitação da mencionada concorrência pública.

Sob a alegação de existência de irregularidades no julgamento, a Empresa Construtora Sultepa S.A. e outros impetraram mandado de segurança, que foi denegado, na primeira instância.

Manifestando o recurso apelatório, o Tribunal de Justiça, através de uma de suas Câmaras Cíveis, não conheceu da impetração, sob o argumento do não cabimento, em face de se dirigir contra ato de gestão de Sociedade de Economia Mista.

A decisão, tomada por maioria de votos, foi desafiada, simultaneamente, por recurso especial e embargos infringentes, estes não conhecidos.

Alega-se, no especial, com arrimo nas letras "a" e "b" do permissivo constitucional, ofensa ao art. 1º da Lei nº 1.533/51 e Lei nº 8.666/93, e dissenso pretroriano, eis que, o processo licitatório para construção de obras públicas, ainda que dirigido por Sociedade de Economia Mista, é regido por normas de direito público e os atos praticados em decorrência são atos administrativos, atos de autoridade, impugnáveis pela via de segurança.

Admitido por despacho em agravo de instrumento, subiram os autos a esta instância.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Min. Demócrito Reinaldo (Relator): Senhores Ministros: No Estado do Rio Grande do Sul, instaurou-se o processo licitatório (pela Companhia de Energia Elétrica) visando à habilitação de empresa para a construção da Usina Hidráulica Dona Francisca.

Ultimada a primeira etapa do processo licitatório, a Diretoria Coletiva da Companhia Estadual de Energia Elétrica (Sociedade de Economia Mista criada por lei) julgou a fase de habilitação da concorrência pública mencionada.

A Construtora Sultepa S.A. e outros impetraram mandado de segurança (contra o ato de julgamento da habilitação, no processo licitatório).

O Tribunal de Justiça ao julgar o recurso de apelação, não conheceu da segurança, sob argumento de ser incabível, por impugnar ato meramente de gestão de Sociedade de Economia Mista  regida por normas de direito privado e concluindo: "só na prática de atos envolvendo a prestação de serviços, creio, possa a Companhia Estadual de Energia Elétrica praticar atos de autoridade aos efeitos do cabimento do mandamus".

A decisão, tomada por maioria de votos, foi atacada, simultaneamente por recurso especial e embargos infringentes. Alega-se, no especial, arrimado nas letras "a" e "c", do admissivo constitucional, desafeição ao art. 1º da Lei nº 1.533/51, ofensa à Lei nº 8.666/93 (que disciplinou as licitações) e dissenso pretoriano, eis que, diferentemente do regime da Constituição pretérita, o procedimento licitatório para contratação de obras e serviços por Sociedade de Economia Mista é regido por normas de direito público e os atos praticados pela Administração direta ou indireta, nos procedimentos licitatórios públicos, são atos administrativos e, portanto, atos de autoridade vinculados ao direito público.

Rejeitados os embargos infringentes, a recorrente ratificou o recurso especial, com iguais fundamentos.

Toda a pendenga gira em torno de saber-se, se o ato praticado pela Diretoria Coletiva da Companhia Estadual de Energia Elétrica, que julgou a fase da concorrência pública, no processo licitatório por ela aberta, para construção de uma Usina Hidráulica, é ato administrativo, emanado de autoridade pública, ou mero ato de gestão de Sociedade de Economia Mista (regida por regras de direito privado) e, por isso mesmo, impossível de impugnação pela via de segurança.

A questão sempre foi tormentosa. Todavia, o conceito de autoridade para justificar a via do mandamus, segundo os juristas, "é o mais amplo possível. Pode ser autoridade pública e autoridade privada, como, v.g., diretores de estabelecimento de ensino particular, primário, médio ou superior. É sempre ato de autoridade. A lei quer dar ao vocábulo autoridade o sentido mais amplo possível: por isso exprimiu isto com a frase "seja de que categoria for" (J. Cretella Júnior, Comentários à Lei de Mandado de Segurança, p. 105).

É Este o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, ao cuidar, especificamente, da licitação e mandado de segurança:

"Cumpre, ademais, que a violação do direito aplicável a estes fatos tenha procedido de autoridade pública. Este conceito é amplo. Entende-se por autoridade pública tanto o funcionário público, quanto o servidor público ou o agente público em geral. Vale dizer: quem quer que haja praticado um ato funcionalmente administrativo. Daí que nem dirigente de autarquia, de sociedade de economia mista, de empresa pública, de fundação pública, obrigados a atender, quando menos aos princípios da licitação, são autoridades públicas, sujeitos passivos de mandado de segurança em ralação aos atos de licitação (seja quando esta receber tal nome, seja rotulada de concorrência, convocação geral ou designações quejandas, não importando o nome que se dê ao certame destinado à obtenção de bens, obras e serviços)" (Licitação p. 90).

Realmente, se assim não fosse, em letra morta estar-se-ia erigindo a regra constitucional do art. 37 e seu inciso XXI, que, aqui, se menciona tão-só para demonstrar a eficácia da legislação ordinária.

"Art. 37. A Administração Pública direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes" ...

Como se vê, a própria Constituição Federal, ao definir os princípios a que está sujeita a Administração direta ou indireta, compreendendo, indevidamente, as Sociedades de Economia Mista, determinou, pari-passu, a submissão das contratações de obras e serviços ao procedimento de licitação pública, hoje disciplinado pela Lei nº 8.666/93. Isso significa que o processo de licitação, a ser observado pela Administração direta ou indireta é instituto juridicizado como de direito público. Os atos das entidades da administração, neste campo, são atos de direito público, atos essencialmente administrativos, atos de autoridade. É pois, oportuno, lembrar a lição de CASTRO NUNES, ao conceituar os atos de autoridade sujeitos ao ataque pela via de segurança:

"A essa ordem de relações jurídicas é alheio o mandado de segurança, impróprio para resolver situações contratuais, assegurar pagamento de dívidas e, de um modo geral, dirimir questões de direito privado. Nesta conformidade está a jurisprudência da Corte Suprema e das Cortes locais. O que se resolve pelo mandado de segurança é relação de direito público, definido pelo dever legal da autoridade e pelo direito correlato de se lhe exigir o cumprimento desse dever" (Do Mandado de Segurança, p. 76-77).

De fato, se assim não fosse, desmoronado estaria todo o sistema constitucional, ao instituir o princípio da moralidade e da publicidade dos atos da Administração, punindo os atos de improbidade e criando, através da legislação ordinária, uma série de instrumentos aptos a que a própria sociedade fiscalize os atos da Administração e das autoridades, em geral, como a ação popular a ação civil pública. Estaria Esvaziado esse instrumental se as licitações públicas realizadas e homologadas pelas Sociedades de Economia Mista, para efeito de construção de obras do maior interesse da sociedade, dado o vulto dos dinheiros públicos nelas empregados e o bem-estar que ensejam à coletividade fossem consideradas como atos privados e, de conseqüente, imunes à fiscalização da própria sociedade, pela via daqueles remédios judiciais.

In casu, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), na medida em que assumiu o encargo de realizar a licitação pública, para efeito de selecionar pessoas ou empresas para a realização de obras públicas (serviços públicos), praticou atos administrativos que não atos de direito privado ou de gestão. E esses atos administrativos são atos de autoridade, já que regidos por normas de direito público  constitucional e administrativo  que disciplinam o procedimento licitatório.

J. Cretella Júnior define os atos de administração tendo em conta o seu objetivo. Haverá ato administrativo, esclarece o mestre, quando houver prestação de serviço público, seja por entidade da administração direta ou indireta.

O serviço público, ensina o insigne administrativista, "pode ser visto sob a ótica formal ou sob a ótica material. Pelo primeiro aspecto, devemos considerar a sede, o contratante, o meio, o instrumental (homens e máquinas), a entidade que presta o serviço público; pelo segundo aspecto devemos considerar o conteúdo, a substância, a matéria, o serviço em si, a própria prestação fornecida. Cientificamente, se a Administração é gestão de serviços públicos e, melhor ainda, de serviços administrativos, claro que a Administração direta é gestão de serviços públicos administrativos desempenhados pelo centro e Administração indireta a gestão de serviços públicos administrativos prestados por entidades inconfundíveis com o centro, ou seja, gestão desempenhada por interposta pessoa. Daí a importância da noção de serviço público, porque se não houver prestação de serviço público simplesmente não há administração, nem direta, nem indireta. Pelo que, combinando-se o critério subjetivo e o critério objetivo, Administração é o modo de gestão e atividade exercida, ou seja, é uma proposição sintética, a atividade que o Estado desenvolve, mediante a prática de atos concretos e executórios, para a consecução direta ou indireta, ininterrupta e imediata dos interesses públicos" (Comentários à Constituição de 1988, vol. IV, p. 2.114 e 2.118).

Daí se vê, que a atividade da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), ao realizar a seleção licitatória, cujo objetivo final era a realização de obra pública (serviços públicos) e, portanto, "atos concretos na consecução indireta dos interesses públicos, praticou atos de administração, atos de autoridade, efetivando procedimento regido por legislação de direito público" (Constituição e Lei Federal).

Vale, aqui, transcrever trechos do voto do Des. Arnaldo Riggardo, por evidentemente judiciosos:

"No caso, houve um ato da Diretoria Coletiva da Companhia Estadual de Energia Elétrica, que julgou fase de habilitação da concorrência pública aberta para a construção da Usina Hidráulica de Dona Francisca. Não resta dúvida de que a companhia de economia mista realiza atos de administração pública, tanto que a Lei nº 8.666/93, envolve normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública direta e indireta. Sem dúvida, as normas da mencionada lei, por se dirigirem a entidades estatais ou públicas, e inclusive a empresas de economia mista, são de direito público e disciplinam quaisquer atos praticados pelas mesmas, que são de direito público, e de autoridade. Ora, no caso, se exercido o ato na prática de decisão quando de uma função pública, como no caso da licitação a qual é determinada por lei, é evidente o cabimento do presente remédio. Por outro lado, a atividade da CEEE é exercida por concessão pública, tendo ela sido constituída exclusivamente para esta incumbência. A CEEE, pode-se dizer, é um instrumento do Estado, o que se não pode colocar dúvidas. Vale neste particular, citar as seguintes passagens das razões do recurso, ilustradas com a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello: quem atua como instrumento do Estado  observa o ilustre professor da PUC de São Paulo  quem age na prescrição de escopos assumidos por ele, quem pertence à Administração indireta ou descentralizada, quem tem patrimônio formado total ou predominantemente pelo Governo, não pode se eximir a tratar isonomicamente os administrados nem se subtrair aos procedimentos estabelecidos em ordem a buscar os negócios mais convenientes em um certame amplo e aberto. A admitir-se possam se esquivar as licitações, todo o mecanismo cautelar previsto para os contratos atinentes a empreendimentos deste jaez perderia seu principal objeto. Quer-se dizer: O Estado, graças ao concurso de sociedades mistas e empresas públicas, passaria ao largo de exigências de licitação a dizer, ficaria liberto de todo mecanismo cautelar precisamente nos casos de minuciosíssimos empreendimentos de vulto" (Licitação, p. 9, fls. 1.185-1.186).

Com a razão o eminente Desembargador. A vingar a tese do acórdão, para a realização de obras de grande interesse coletivo, dado o volume dos dinheiros públicos empregados ou de serviços da maior relevância em razão dos custos financeiros, bastaria que o Estado e demais entidades de Direito Público Interno constituíssem sociedades de economia mista, para o fim de realizar as licitações, e estariam forros de qualquer fiscalização ou ataque pela via do mandamus ainda que manifestamente ilegais os atos praticados, na instrumentalização do certame. Não há como não se concluir, na hipótese, que os atos de agentes de sociedades mistas, praticados no procedimento licitatório público (e para o fim de realização de obras e serviços públicos) constituem atos de autoridade, atos administrativos, sujeitos a impugnação pela via de segurança.

Com estas considerações, conheço do recurso pela letra "a" e lhe dou provimento para que, uma vez afastado o incabimento da segurança, voltem os autos à instância de origem para o julgamento do mérito (do mandado de segurança).

É como voto.

SUSTENTAÇÃO ORAL

Sustentou oralmente o Dr. Almiro do Couto e Silva, pelos recorrentes.

CERTIDÃO

Certifico que a Egrégia PRIMEIRA TURMA ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso.

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado.

Ausente, justificadamente, o Exmo. Sr. Ministro José de Jesus Filho.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 23 de maio de 1996.

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA SOATO

Secretária



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