Em
consulta endereçada ao TCU, o Ministro Presidente do TST formulou o seguinte
questionamento: “Os órgãos e entidades da
Administração Pública Federal devem aceitar ou recusar apólice de seguro -
apresentada por empresa vencedora de certame licitatório para garantir o fiel
cumprimento das obrigações assumidas no contrato - que contenha cláusula que
exclua de cobertura prejuízos e demais penalidades causados ou relacionados a
atos ou fatos violadores de normas de anticorrupção?” Em termos práticos,
questionava-se a legalidade da inclusão, pela seguradora, de cláusula na
apólice do seguro afastando a cobertura de prejuízos decorrentes de atos ou
fatos violadores das normas anticorrupção, perpetrados pelo segurado
(Administração Pública contratante), tomador (empresa contratada) ou
controladas, controladoras e coligadas, seus respectivos sócios/acionistas,
representantes, titulares ou funcionários. Em seu voto, o relator destacou,
preliminarmente, que a cláusula atualmente inserida pelas seguradoras nas
apólices, pela qual excluem da cobertura prejuízos e demais penalidades
causados ou relacionados a atos ou fatos violadores de normas de anticorrupção,
sejam eles praticados pelo segurado ou pelo tomador e respectivos
representantes, busca amparo no art. 762 do Código Civil, segundo o qual “Nulo será o contrato para garantia de risco
proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de
um ou de outro”. O relator ponderou que o Código Civil não trata do
seguro-garantia a que alude o art. 56 da Lei 8666/1993, o qual busca “proteger a Administração Pública contratante
do próprio contratado, caso venha a inadimplir suas obrigações”. Nesse
contexto, o seguro-garantia “não é um
contrato de seguro tradicional e tem algumas características também da fiança
onerosa. No entanto, não guarda identidade perfeita com nenhum desses dois
institutos. Não é sem razão que sua disciplina se dá por entidade especializada
no assunto, que é a Susep”. Segundo o relator, a aplicação do sobredito
art. 762 aos contratos de seguro-garantia não pode ocorrer sem considerar as
peculiaridades desse tipo de contrato, haja vista que “citado dispositivo do Código Civil busca evitar que o contratante do
seguro se beneficie de atos dolosos que busquem fraudar a essência desses
contratos, ou seja, inspira-se na boa-fé objetiva e no princípio de que ninguém
pode se beneficiar da própria torpeza”. O relator concluiu que admitir a
continuidade da atual prática das seguradoras de inserir cláusula limitadora de
suas responsabilidades no caso de ato de corrupção tanto do tomador quanto do
segurado seria tolerar o elevado risco de ineficácia ampla do seguro-garantia,
tendo em vista que, conforme apontado pela Susep, “as cláusulas inseridas pelas seguradoras, muitas vezes, apresentam
textos genéricos e extremamente abrangentes com relação às situações, atos e
pessoas que podem gerar a não cobertura”. De outro tanto, impor à
seguradora o dever de cobrir os prejuízos decorrentes de atos de corrupção para
os quais a própria Administração Pública concorreu seria permitir o benefício
da própria torpeza de quem é o principal beneficiário do seguro-garantia, além
de elevar os custos desse tipo de contratação a patamares desconhecidos, mas
que, ao fim, teriam de ser suportados pelos cofres públicos. Assim, nos termos
propostos pelo relator, o Plenário decidiu responder ao consulente que: I) “os órgãos e entidades da Administração
Pública Federal podem aceitar apólice de seguro - apresentada por empresa
vencedora de certame licitatório para garantir o fiel cumprimento das
obrigações assumidas no contrato - que contenha cláusula que exclua de
cobertura prejuízos e demais penalidades causados ou relacionados a atos ou
fatos violadores de normas de anticorrupção que tenham sido provocados pelo
segurado ou seu representante, seja isoladamente, seja em concurso com o
tomador ou seu representante”; e II) “por
outro lado, os órgãos e entidades da Administração Pública Federal devem
recusar apólice de seguro - apresentada por empresa vencedora de certame
licitatório para garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas no
contrato - que contenha cláusula que exclua de cobertura prejuízos e demais
penalidades causados ou relacionados a atos ou fatos violadores de normas de
anticorrupção que tenham sido provocados exclusivamente pelo tomador ou seu
representante, sem o concurso do segurado ou seu representante”.
Acórdão
1216/2019 Plenário, Consulta, Relator Ministro Raimundo Carreiro.
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