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terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Quando caracterizada a atuação de cartel em processos de contratação pública, o prejuízo causado à Administração poderá ser avaliado pela diferença entre o preço praticado no ambiente cartelizado e o preço que seria praticado em ambiente competitivo, estimada mediante utilização de técnicas de econometria e de análise de regressão consagradas internacionalmente. O parâmetro assim obtido pode servir de base para avaliação da legalidade e da legitimidade de acordos de leniência que venham a ser pactuados com base na Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção).


Em processo de Acompanhamento autuado com fulcro na IN TCU 74/15, que dispõe sobre a fiscalização pelo TCU dos processos de celebração de acordos de leniência inseridos na sua competência, analisaram-se contratos e documentos referentes à Operação Lava Jato. Buscara-se fixar um parâmetro de avaliação dos valores a serem ressarcidos aos cofres da Petrobras, em decorrência do prejuízo causado pelo suposto crime de cartel em licitações da estatal. O relator destacou que a apuração do dano compreendeu certa peculiaridade, pois o propósito do cartel é aproximar, artificialmente, o ambiente normal de mercado a uma situação de monopólio ou oligopólio que possibilita a prática de preços superiores aos observados em situação de concorrência. Assim, em vez da comparação com parâmetros de preços especificados em lei como referências de mercado (Sinapi e Sicro, principalmente), o exame requereu forma diferenciada de aferição do dano, consistente, segundo o relator, na diferença entre o que a Petrobras pagou e o que despenderia de fato pelo bem, em um ambiente de competição regular, sem a existência de cartel. Destacou que a unidade técnica identificara diversos métodos reconhecidos nos Estados Unidos e na União Europeia, tendo optado pela abordagem baseada em métodos comparativos, que estima o cenário contrafactual. Consistiu a metodologia, basicamente, na comparação do comportamento da variável que se quer estudar, no caso o desconto ofertado pelos contratados frente ao orçamento da Petrobras, nos cenários com cartel (factual) e sem a infração (contrafactual). Para tanto, utilizaram-se técnicas econométricas, com base em análise de regressão, a partir de dados das contratações da estatal e das informações de processos judiciais em curso, fornecidos pela própria Petrobras e pelo Poder Judiciário. Com relação à possibilidade de utilização dessas técnicas no ordenamento jurídico brasileiro, o relator observou que, no caso específico do controle orçamentário e financeiro realizado pelo TCU, o próprio Regimento Interno admite, em seu art. 210 § 1º, inciso II, que a apuração do débito pode se dar mediante “estimativa, quando, por meios confiáveis, apurar-se quantia que seguramente não excederia o real valor devido”. Assim, considerou “adequado o uso da metodologia proposta pela unidade técnica, desde que seja assegurada a confiabilidade dos resultados encontrados, a partir do uso das técnicas oferecidas pela ciência estatística”. Como resultado da aplicação da metodologia, obteve-se a estimativa de que a atuação do cartel reduz em 17%, em média, o desconto ofertado em cenário competitivo. Diante dos parâmetros estatísticos de confiabilidade e significância verificados, o relator reputou “adequadas as conclusões a que chegou a unidade técnica, cujos resultados podem ser utilizados como parâmetro de verificação da correção do valor do dano causado em virtude de práticas colusivas, no âmbito de acordo de leniências a serem submetidos à apreciação desta Corte de Contas”. Acolhendo na íntegra a proposta do relator, o Tribunal deliberou, entre outras providências, por encaminhar cópia do estudo realizado pela unidade técnica aos diversos órgãos envolvidos na apuração dos ilícitos e à Petrobras, alertando-os que: i) “o valor mais provável” do potencial prejuízo causado à Petrobras com a redução dos descontos nas licitações, no período de 2002 a 2015, em razão da existência dos cartéis na Diretoria de Abastecimento, é de 17% em relação à estimativa das licitações tomando por base metodologia econométrica e dados de regressão consagrados internacionalmente e fartamente aceitos pelas cortes americanas (Harkrider e Rubinfeld - 2005; e Korenblit - 2012) e brasileiras (Supremo Tribunal Federal (STF), RE 68.006-MG); ii) o “potencial prejuízo” informado refere-se ao chamado overcharge, assim denominado como a diferença entre o valor cobrado por um determinado produto em um ambiente monopolizado e o valor que deveria ser cobrado caso este produto fosse vendido em um ambiente competitivo; iii) o parâmetro informado, na ausência de dado mais robusto, em presunção juris tantum, servirá de base para a avaliação de legalidade e legitimidade dos eventuais acordos de leniência que venham a ser pactuados com base na Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção), nos termos da IN TCU 74/2015, especificamente no que se refere aos contratos executados na Diretoria de Abastecimento da Petrobras em que participaram as empresas investigadas na Operação Lava Jato. Acórdão 3089/2015-Plenário, TC 005.081/2015-7, relator Ministro Benjamin Zymler, 2.12.2015.


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